Internet resgata o romantismo do namoro a escuraApesar de se tratar de uma ferramenta moderna, o namoro virtual aproxima os jovens do romantismo do passado.
Por Lilian Burgardt
Quem nunca entrou em uma sala de bate-papo ou website para solteiros que atire a primeira pedra. Por mais que a idéia de arrumar um namorado, "rolo" ou "ficante" pela internet ainda pareça estranha para muitas pessoas, é cada vez maior o número de adeptos dos websites de relacionamentos. Estima-se que 3,5 milhões de pessoas estejam online à procura do par perfeito. Esse número corresponde a quase 10% dos brasileiros disponíveis. Além disso, só em nosso país, já existem mais de 20 websites reservados para os "solteiros de plantão".
Tudo muito moderno? Nada disso. Por mais que a alternativa seja a expressão do namoro do século XXI, as principais características destes relacionamentos remetem ao romantismo do passado. Além de manterem o friozinho na barriga do primeiro encontro, os casais que se conheceram pela internet costumam enviar fotografias e trocar mensagens apaixonadas com freqüência, comportamento que foge do típico namoro relâmpago que tem data e hora para acabar.
De acordo com o sexológo e diretor do
IBRASE (Instituto Brasileiro de Sexologia), Charles Rotjenberg, que pesquisou durante oito anos relacionamentos que começam na internet, na maior parte das vezes, a busca intensa por uma companhia online se deve pelo sentimento de solidão e a dificuldade que as pessoas têm de se relacionar com quem está mais próximo. "No geral, as pessoas são muito carentes afetivamente. A internet mexe com as fantasias de todo mundo. As pessoas que entram na internet para se relacionar, no fundo estão procurando algo que querem ouvir, querem romantismo, atenção. Por isso elas normalmente se envolvem com facilidade em um namoro virtual", explica.
Confira, abaixo, a história de alguns relacionamentos que deram certo a partir de cliques apaixonados.O amor é cego
Larissa Steganho, 21 anos, estudante de Engenharia Civil, é praticamente uma expert em relacionamentos virtuais. "Costumava entrar com frequência em salas de bate-papo de relacionamento, até encontrar o Rodrigo", lembra. Seu namoro com o jovem, de 24 anos, estudante de história, começou em uma sala de bate-papo duas semanas antes do Carnaval de 2004. "Ele veio conversar comigo e acabei me interessando pelo nick dele, rodrigo_mooca. Na época eu estava de mudança para São Paulo para estudar e sempre tive a impressão de que o bairro da Mooca era super família, então resolvi conversar com ele", conta.
O papo de Rodrigo colou de tal maneira que os dois conversaram durante 6 horas sem parar. "Foram três horas de bate-papo online e depois trocamos telefones para continuar a conversa." Segundo ela, as afinidades eram muitas, gostos musicais, estudos, entre outras coisas. Durante alguns dias os dois continuaram conversando pela internet e pelo telefone até que a curiosidade falou mais alto e eles decidiram marcar um encontro. "Era começo de ano e minha faculdade sempre fazia uma festa para receber os calouros. Decidi marcar com ele no meio da festa por uma questão de segurança", diz a jovem.
À primeira vista o impacto foi grande. "Não havíamos trocado fotos ou falado sobre nossas características físicas. Quando o vi ele era bem diferente do que eu imaginava e ao mesmo tempo perfeito para mim porque era atencioso, carinhoso e tinha um papo bem legal. Por mais que a gente não tenha se apaixonado de cara, não demorou muito pra que isso acontecesse", afirma.
No Carnaval, quando ambos ainda estavam solteiros, Larissa viajou para a casa de uma amiga mas não deixou de receber ligações de Rodrigo. "Em nenhum momento ele me fez cobrança ou tentou me policiar. Pelo contrário, me ligava para saber se eu precisava de alguma coisa e se eu estava me divertindo. Este foi um dos fatores que me fez admirá-lo ainda mais", lembra. Com atenção e carinho redobrado, mesmo à distância, a história de amor só podia acabar em namoro fime. Após um ano e meio da primeira "teclada" o casal continua junto e apaixonado mostrando que mesmo às escuras os relacionamentos podem dar certo.
Gatinha manhosa encontra jornalista 36
Na hora de procurar o par perfeito, a escolha do nickname é um fator muito importante. Não foi só Larissa que prestou atenção na "identidade secreta" do amado. O jornalista Heitor Bisi, de 36 anos, também se deixou levar pela meiguice do nick de sua atual namorada. "Eu estava quase saindo da sala de bate-papo quando vi a Gatinha manhosa entrar, então resolvi puxar conversa para ver no que ia dar", conta. Muito embora o nick esbanje sensualidade, a garota é fã de gatos e possui alguns deles de estimação. "Lógico que ela estava fazendo uma brincadeira, mas ela realmente gosta de gatos", se diverte.
Após dois dias da primeira conversa pela internet, os dois já marcaram o primeiro encontro. Também às escuras. "Não trocamos fotos. Embora tenhamos confidenciado algumas de nossas características, queríamos que fosse uma surpresa mesmo", explica. O casal também optou por um local bastante movimentado, um shopping center de São Paulo. "Falamos a cor da roupa e ficamos na expectativa", diz. Sem surpresas, o casal se encontrou. "Ela era mais ou menos o que eu imaginava. Lógico que o rosto a gente não consegue imaginar mas o cabelo e todo o resto era bem o que nós conversávamos", conta.
O casal já está junto há oito meses e, segundo Bisi, o namoro vai de vento em popa. No entanto, ele alerta: "Esse negócio de namoro na internet é muito relativo. Têm pessoas que procuram e só se decepcionam, no meu caso, eu estava desligando o computador e ela apareceu. Assim como nos relacionamentos que começam por `encontros reais´, é uma questão de sorte", declara.
Do namoro ao casamento
Em 1999, até então viúva e mãe de três filhas, Ilma Posse Barbosa, 40 anos, encontrou na internet um par no mínimo inusitado. Navegando em uma sala de bate-papo para pessoas de sua faixa etária, ela acabou encontrando e casando com o jovem Gabriel Gonçalves de apenas 23. "Eu usava o nick viuva_sp40 para deixar bem claro minha situação, não esperava que um dia isso pudesse acontecer", conta.
A paquera começou quando Greg, o atual namorado, resolveu puxar conversa. "Falamos sobre trabalho, entre outras coisas, nada demais. Em um segundo momento, começamos a conversar em reservado, então decidimos trocar e-mails", conta Ilma. Três dias depois, ele me mandou um e-mail me convidando para uma festa, mas deixando claro que a festa seria só para nós dois. Foi aí que veio a supresa, quis saber sua idade e ele confessou que tinha 23 anos", lembra. "Para mim foi um choque, neste momento já deixei claro que nada poderia acontecer entre nós, mas ele não desistiu."
O rapaz era de Pernambuco, Ilma de São Paulo, mas a distância não foi empecilho para que o amor acontecesse. " Só a distância tornava tudo muito difícil e ainda tinha a diferença de idade. Mas a gente continuou a trocar mensagens até que decidimos nos falar por telefone", diz. As conversas por telefone duraram até abril quando, subitamente, os dois pararam de se falar. Um dia, porém, Ilma decidiu descobrir o que aconteceu com Gabriel e telefonou para ele. "Queria saber o que havia acontecido e retomar nossas conversas. Foi então que descobri que ele era noivo", conta. Para Ilma foi outra surpresa. "Ele já estava com casa pronta e tudo, mas depois de vários desentendimentos ele estava quase rompendo o relacionamento."
A fase ruim do noivado e as conversas com Ilma fizeram Gabriel mudar de idéia e romper o compromisso. "No mês de junho, mais ou menos, ele me contou que havia terminado com ela e que estava interessado em mim. Então começamos a namorar oficialmente", conta. O namoro ia bem, mas a vontade de se conhecer era muito forte. Assim, Ilma convidou Gabriel para vir a São Paulo. "Combinamos de nos encontrar no feriado do mês de setembro. Eu ia recebê-lo em minha casa", diz. De início, a família de Ilma foi contra. "Minha mãe dizia que eu estava maluca, que eu tinha três filhas e era um absurdo receber um desconhecido. Porém, mesmo com um pouco de medo e insegura quanto ao que ia encontrar, conversei com minhas filhas e elas apoiaram minha decisão", diz.
No entanto, em setembro, quando o rapaz chegou, uma das filhas fez o alerta: "Estamos te recebendo mas esperamos que você faça minha mãe feliz, senão você pode voltar para sua cidade". Apesar da desconfiança, com o tempo, Ilma conta que Gabriel conquistou a família inteira. E hoje, após 6 anos juntos, todos eles o tratam como um membro querido da família. "Minha mãe adora o Gabriel, minhas filhas também. Hoje ele está com 30 e eu com 46 anos. De vez em quando eu penso que a idade é um problema, especialmente porque as mulheres tendem a envelhecer muito mais rápido que os homens, mas o que importa é que somos muito felizes", encerra.
É importante lembrar que embora haja relacionamentos muito bem-sucedidos, nem todos os "solteiros virtuais" estão à procura de um colo, carinho e atenção. Muitos usam a internet por pura diversão. "Pela rede só temos conhecimento do que o outro quer que saibamos. Portanto, antes de se comprometer vale a pena priorizar a segurança para evitar problemas ou decepções no futuro", encerra Rotjenberg.